APRESENTAÇÂO

Um grupo de discursão foi montado no intuito de debater sobre "O ensino de línguas na modalidade EAD". Os integrantes do grupo fazem parte dos dicentes da Universidade Federal de Sergipe (UFS), sobre orientação do professor Glaucio Machado na disciplina "Teorias da educação e da comunicação". Tentaremos mostrar diversos aspectos do ensino de uma língua estrangeira nesta modalidade, bem como apresentar possíveis ferramentas que possam garantir a eficácia de um curso de línguas de maneira virtual.

Somos seis os integrantes deste grupo discursivo:
Robson Azevedo Costa (Letras Espanhol)

Alana Najara de Menezes Gois (Letras Espanhol)


Valter Santos Lobo (Letras Espanhol)


Tamires Oliveira (Letras Espanhol)


Maria Simone Leal de Jesus (Administração)


Alisson Pinheiro Rodrigues (Administração)


Atualmente o blog está sobre responsabilidade exclusiva de Robson Azevedo Costa, e aqui ampliaremos nossos debates sobre "O ensino de língua espanhola em ambientes virtuais".

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Aprendizagem autônoma: o estudante do futuro

Como vimos, seja do ponto de vista dos paradigmas econômicos, seja desde a perspectiva das grandes definições, as tendências mais fortes apontam para uma EaD centrada no estudante e mais apropriada às novas exigências dos mercado capitalista em sua fase "pós".

As características fundamentais da sociedade contemporânea que mais têm impacto sobre a educação são pois: maior complexidade, mais tecnologia, compressão das relações de espaço e tempo, trabalho mais responsabilizado, mais precário, com maior mobilidade, exigindo um trabalhador multicompetente, multiqualificado, capaz de gerir situações de grupo, de se adaptar a situações novas, sempre pronto a aprender. Em suma, um trabalhador mais informado e mais autônomo.

Por suas características intrínsecas, por sua própria natureza, a EaD, mais que as instituições convencionais de ensino superior , poderá contribuir para a formação inicial e continuada destes estudantes mais autônomos, já que a auto-aprendizagem é um dos fatores básicos de sua realização.

Por "aprendizagem autônoma" entende-se um processo de ensino e aprendizagem centrado no aprendente, cujas experiências são aproveitadas como recurso, e no qual o professor deve assumir-se como recurso do aprendente, considerado como um ser autônomo, gestor de seu processo de aprendizagem, capaz de auto-dirigir e auto-regular este processo. Este modelo de aprendizagem é apropriado a adultos com maturidade e motivação necessárias à auto-aprendizagem e possuindo um mínimo de habilidades de estudo (Trindade,1992:32;Carmo,1997:300; Sayers,1993).

A imagem que se tem comumente do estudante típico de EaD não parece corresponder a este ideal. Estudos realizados com estudantes de vários tipos de experiências de EaD têm mostrado que estudantes a distância tendem a realizar uma aprendizagem passiva, "digerindo pacotes instrucionais" e "regorgitando" os conhecimentos assimilados nos momentos de avaliação (Renner,1995:292; Paul,1990:3).

O fato de que este fenômeno tem evidentemente muito a ver com os modelos behaviouristas e diretivos, que presidem em geral a concepção dos cursos, e com as práticas excessivamente industrializadas e burocratizadas de acesso, distribuição de materiais e de avaliação, não deve esconder a outra dimensão essencial do fenômeno: as características do aprendente e as condições de "estudo em casa" (homestudy).

Afinal quem são os estudantes de EaD? Que características são estas? Walker fornece uma imagem bastante peculiar, elaborada a partir de pesquisas com estudantes australianos:

"Uma imagem dominante é a do silêncio, tranquilidade e solidão. Um tema recorrente é o tempo de estudo: tarde da noite, quando as crianças estão acomodadas, o marido vendo televisão na sala (muitos estudantes são mulheres), está escuro lá fora, pode haver um cão ou um gato por perto, a cozinha está limpa e arrumada, os lanches para o dia seguinte estão prontos na geladeira, e a estudante arranja um espaço na ponta da mesa, desarrumando o mínimo possível a mesa posta para o café da manhã. Os livros estão abertos e o ‘estudo’ pode começar" (1993:23).

Embora não possa ser generalizada, esta imagem é um retrato revelador de uma visão da EaD como algo "marginal socialmente e até mesmo na economia doméstica". Tal visão no entanto tende a evoluir e se transformar, no bojo das mudanças sociais e grandes tendências da modernidade tardia, já mencionadas: a clientela potencial de educação -- a distância ou convencional - está se modificando rapidamente tendendo a aumentar em número e a se diversificar muito em termos de demandas específicas, segundo uma lógica contraditória de globalização e ‘localização’ (mudanças nas culturas e subculturas locais, em função da globalização) Além disto, esta clientela tende a se tornar mais "reflexiva" e consciente da importância da educação e da formação contínua e mais exigente em termos de qualidade e liberdade de escolha (Giddens,1994;Carmo,1997a).

Os sistemas educacionais terão que enfrentar as novas demandas daí decorrentes, e então será essencial conhecer as expectativas e necessidades dos estudantes e conceber cursos, estratégias e metodologias que as integrem efetivamente.

O conceito de aprendente autônomo, ou independente, capaz de auto-gestão de seus estudos é ainda embrionário, do mesmo modo que o estudante autônomo é ainda exceção no universo de nossas universidades abertas ou convencionais. A única unanimidade em torno do assunto talvez seja a convicção de que a educação em geral e o ensino superior em particular devem transformar-se para dar condições e encorajar uma aprendizagem autônoma que propicie e promova a construção do conhecimento, isto é, que considere o "conhecimento como processo e não como mercadoria" (Paul,1990:32).

Em nível mais geral, cabe lembrar que a clientela de educação aberta e a distãncia é adulta e em geral trabalha, ou seja, estuda em tempo parcial. Este fato deve necessariamente deslocar o enfoque da formação inicial científica e profissionalizante para a formação ao longo da vida como único caminho para alcançar ou manter condições de competitividade em nível individual ou nacional, numa economia globalizada altamente tecnologizada. A educação ao longo da vida será crucial para a competitividade do indivíduo no mercado de trabalho, assegurando igualdade de oportunidades, e para a competitividade do país, que necessita de recursos humanos cada vez mais qualificados (Ljosä,1992).

Em países como o Brasil, a questão da qualificação se coloca em todos os níveis: não apenas será necessário oferecer à força de trabalho oportunidades de formação contínua de atualização e retreinamento exigidas pelas mudanças econômicas e tecnológicas, como será imprescindível elevar o nível de educação básica dos trabalhadores.

Para atender a estas demandas muitos campos de pesquisa estão em aberto e, em especial, do ponto de vista da sociologia da educação, será preciso desenvolver o conhecimento dos "sistemas aprendentes". Carmo lembra que o aumento do número de aprendentes e sua crescente diversidade devem-se à conjugação de três fatores: aumento demográfico da população jovem, especialmente nos países menos desenvolvidos; aumento das necessidades de formação contínua da população adulta; e crescente consciência da importãncia do nível de educação da população para o desenvolvimento econômico e social

(Carmo,1997:162). Este autor chama também a atenção para o fato que estas novas necessidades dizem respeito ao conjunto da população (e não só aos jovens) o que aumenta a pressão sobre os sistemas educativos que não estão preparados para responder a este aumento qualitativo e quantitativo da demanda educacional (idem:182).

Este é o desafio para os "sistemas ensinantes" nos quais a EaD poderá vir a se tornar um setor cada vez mais importante com grandes contribuições a realizar.

Estarão as instituições de EaD preparadas para responder a este desafio? Referindo-se especificamente às universidades abertas, Paul relaciona uma série de problemas a superar para atingir os objetivos de abertura e flexibilidade dos sistemas e promover a aprendizagem autonôma: estratégias,metodologias e materiais demasiado diretivos e "fechados" desetimulam o questionamento com relação aos conteudos e à busca do significado e da aplicabilidade do conhecimento (Paul,1990:33).

O conceito de aprendizagem autônoma implica numa dimensão de auto-direção e auto determinação no processo de educação que não é facilmente realizada por muitos estudantes típicos de EaD. Para que as instituições de educação aberta e a distância possam atender às demandas prementes e realizar a finalidade de formar o aprendente autônomo e ensinar a aprender, será necessário que a pesquisa sobre educação de adultos se volte para a clientela, produzindo conhecimento sobre suas características sócio-culturais e sócio-econômicas, suas experiências vividas e integrando este conhecimento na concepção de estratégias e metodologias que criem efetivamente condições para a aprendizagem autônoma (Ljosä,1992; Trindade,1992; Sayers,1993).

Perriault observa, a partir de experiências de uso de tecnologias de informação e comunicação com finalidades de formação, e considerando o contexto de mudanças no qual se situa esta discussão, que começam a aparecer sinais visíveis de mudança no comportamento dos estudantes tais que: rejeição de métodos escolares de transmissão do saber na educação de adultos; exigência de retorno imediato de informação, o que explica a receptividade a mídias interativas (telefone, e-mail); desejo de encontrar outros estudantes, o que permite comparar dificuldades e discutir sobre a qualidade dos cursos; necessidade de encontrar pessoalmente os tutores; aspiração a encontrar cursos concebidos a partir de suas necessidades específicas; ansiedade com relação à avaliação e auto-avaliação (Perriault,1996:67).

Segundo este autor, está ocorrendo uma mudança extremamente importante quanto posição relativa dos atores no campo da educação e da formação:

"Vemos emergir o usuário, o estudante, o cliente, como quisermos, em sua unidade própria. Ele trabalha, ele aprende trabalhando, mas ele quer que o serviço (de formação) no qual está inscrito (ou do qual é assinante?) lhe transmita informações e o socorra em caso de ‘pane’. Desempregado, numa ótica de reconversão, ele quer saber o que vale em termos de conhecimentos e competências" (id.:68).

Este novo nível de exigência do estudante-usuário é talvez ainda incipiente mesmo em países ricos como a França onde existem sistemas de formação bastante desenvolvidos, mas certamente esta imagem sinaliza a direção de um futuro que irá requerer das instituições de formação e de educação aberta e a distância estratégias de maior conexão com o mundo científico, técnico e industrial, e com o mundo do trabalho.

Holmberg, da Universidade Aberta de Hagen (Alemanha), também critica os "pacotes instrucionais" que tendem a tornar os cursos "autocráticos" (que dizem aos estudantes não apenas o que fazer mas também o que pensar e privando-os de seu próprio senso crítico), e enfatiza a necessidade de interação entre os aprendentes e o sistema, propondo uma estratégia que ele chama de "tráfego de duas mãos" (two-way traffic): (Holmberg, 1990:44).

Para assegurar esta interação, o uso de mídias capazes de criar e sustentar esta comunicação, pessoal mas não presencial, é essencial. Segundo Holmberg é preciso enfatizar abordagens realmente interativas, isto é, entre seres humanos e não apenas com máquinas, o que implica em evitar "pacotes" e instrução programada.

Partindo da idéia de conversação didática orientada de Holmberg e de pesquisas sobre os estudantes de EaD, Evans e Nation vão além propondo que a educação aberta e a distância deva basear-se no diálogo e na pesquisa, o que implica em uma filosofia da educação que seja centrada no estudante e reconheça sua autonomia. O diálogo deve ser estimulado não apenas entre professores e estudantes, mas entre os próprios estudantes (através de grupos de estudos, grupos tutoriais, redes de auto-ajuda,etc) e entre eles e os contextos sociais onde vivem e trabalham: (Evans e Nation,1989:39).

Considerando o contexto de globalização, podemos observar que as fronteiras estão deixando de existir com relação à circulação de todo tipo de mercadoria e muito especialmente de produtos culturais, cuja imaterialidade e virtualidade tornam bem mais fácil sua circulação. Neste mundo, onde as relações de tempo e de espaço estão sendo redimensionadas ou comprimidas, a educação aberta e a distância flui cada vez mais através das fronteiras nacionais. A educação, que desde o início da modernidade tem sido considerada com elemento essencial de construção do estado-nação, vai se transformando cada vez mais em mercadoria exportável sob diversas formas, inclusive como aprendizagem aberta e a distância. A importância do setor privado neste campo tende a crescer na medida mesma do aumento das demandas, investindo na diversidade e sofisticação de seus produtos e criando um mercado global e competitivo para a EaD.

Segundo Field (1995:276), é objetivo da Comissão Européia desenvolver uma "sociedade de aprendizagem" através da criação de "centros de recursos de conhecimento" privados e lucrativos que disponibilizariam novos métodos de ensino e materiais multimídia, acesso às redes telemáticas (Internet e outras) e outros suportes tecnológicos. Este objetivo decorre da convicção de que esta é a forma mais eficaz para aumentar a qualidade e a adaptabilidade do "capital humano" europeu, único caminho para assegurar uma prosperidade sustentada num mercado competitivo e globalizado. A idéia de "centros de recursos" vem ao encontro da proposta de Perriault (1996) de "casas do saber", embora este último não coloque a questão em termos de lucratividade do setor privado.

Embora tais propostas sejam extremamente atraentes dos ponto de vista teórico, na prática elas colocam mais problemas do que resolvem. Em primeiro lugar, porque o mercado trnasnacional para a educação aberta e a distância, mesmo em países da Europa, é limitado e altamente especializado: há grandes tensões entre os objetivos de crescimento econômico e os de solidariedade e coesão regional e social (desemprego crescente atingindo muito duramente as populações jovens e luta para preservar direitos trabalhistas diferentes em cada país). Por outro lado, a demanda de educação e de formação contínua é instável, fragmentada e imprevisível e poucos fornecedores privados arriscariam grandes investimentos para atender às necessidades das empresas. O mercado é "imaturo, dinâmico, complexo e fragmentado" e não transcende as fronteiras nacionais e de línguas tornando difícil, senão impossível a utilização dos mesmos materiais em países diferentes (Field,1995).

O fenômeno de mundialização da cultura não parece recobrir exatamente o campo da educação e da formação contínua profissional stricto sensu, mas antes um campo muito mais amplo que Field chama "thin culture", formada de produtos culturais relacionados com conceitos científicos ligados a imagens midiáticas de estilos de vida, que apelam grandes audiências mas cujo impacto educativo tende a ser "superficial e amplamente instrumental". Os melhores exemplos destes produtos são sem dúvida os textos de auto-ajuda, vídeogramas de"auto-gerência" (self-management), ou toda produção relacionada com habilidades esportivas ou de "fitness". " (Field,1995:278).

Cabe acrescentar que do ponto de vista dos países menos desenvolvidos como o Brasil, os efeitos da globalização no campo da educação aberta e a distância tendem a ser mais negativos que positivos, pois de modo geral ocorre a importação de tecnologias caras e pouco apropriadas às necessidades e demandas, que acabam obsoletas por falta de formação ao seu uso. É importante lembrar dois fatores de extrema importância especialmente para estes países: de um lado o acesso tecnologia é desigualmente distribuido em termos sociais e regionais; e de outro, a aprendizagem mediatizada por novas TIC requer dos indivíduos comportamentos e habilidades diferentes tanto dos que ocorrem em situações convencionais de aprendizagem quanto daqueles ativados pelo uso destas tecnologias para o entretenimento.

Fonte: Portal São Francisco

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